A Elegância como Linguagem de Liberdade: O Met Gala e a Força da Alfaiataria Negra.
- Victoria Baffa
- há 2 dias
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Atualizado: há 2 dias
Na última segunda-feira (05.05), o evento mais esperado do ano revelou mais do que vestidos deslumbrantes e smokings impecáveis. O Met Gala 2025 foi um lembrete poderoso: estilo é também história, presença e reivindicação. Nesta edição, vestir-se bem era apenas o ponto de partida — o verdadeiro desafio era vestir significado.
Com o tema "Superfine: Tailoring Black Style", o evento celebrou a abertura da nova exposição do Costume Institute, inspirada no livro "Slaves to Fashion" (2009), de Monica L. Miller — professora e chefe do Departamento de Estudos Africanos no Barnard College. Mais do que uma homenagem à estética, a mostra mergulha na história do dandismo negro e na sua relevância na construção das identidades da diáspora africana. O dress code da noite, "Tailored for You", deixava claro: a alfaiataria sob medida era o ponto central, mas não de forma literal. A proposta era reinterpretar o clássico com personalidade, contexto e memória, levantando perguntas essenciais:
"Afinal, como surgiu a alfaiataria? O que é o dandismo negro? E por que são importantes neste contexto?"
A alfaiataria tradicional é uma das práticas mais respeitadas na moda. Com raízes nos palácios europeus do século XIV, surgiu como símbolo de poder, formalidade e distinção social. Cortes estruturados, tecidos densos e silhuetas rígidas moldavam o corpo masculino conforme os ideais aristocráticos da época. Foi ali que nasceu o que hoje chamamos de "elegância ocidental" — uma estética que, mais do que ditar o que era bonito, ajudava a estabelecer hierarquias, inclusive culturais. Durante séculos, vestir-se à maneira europeia foi visto como sinônimo de civilidade. Ao mesmo tempo, roupas e expressões estéticas de outras culturas foram frequentemente tratadas com estranhamento e vistas de forma pejorativa. Nesse contexto, a alfaiataria não era apenas uma escolha de estilo, e sim uma ferramenta de padronização cultural, usada para reforçar normas sociais e apagar diferenças. Porém, é justamente aí que a história ganha uma virada poderosa.
No fim da escravidão, entre os séculos XVIII e XIX, emerge o dandismo negro — uma resposta visual sofisticada e politicamente carregada. Homens negros recém-libertos, ainda excluídos de direitos básicos, começaram a se apropriar da alfaiataria como forma de expressão e afirmação. Cada terno bem cortado e detalhe cuidadosamente escolhido — como um lenço de bolso, um colar cintilante e um tecido de luxo — comunicava uma mensagem clara: "Estamos aqui, e somos muito mais do que disseram que poderíamos ser." Com isso, tornava-se um gesto revolucionário. Uma forma de reconstruir identidades, desafiar estereótipos raciais e sociais e ocupar espaços de onde tinham sido historicamente excluídos. Segundo a revista Vogue, Monica L. Miller descreve o dandismo negro como "uma estratégia e ferramenta para representar identidade e desafiar quem é visto como humano." Em outras palavras, nas mãos certas, a alfaiataria deixa de ser símbolo de conformidade para se tornar linguagem de invenção, beleza e liberdade.
Em 1920, esse movimento alcança um de seus ápices no Harlem, um bairro nova-iorquino. Durante o efervescente Harlem Renaissance, o bairro se transforma em passarela viva: barbearias, clubes de jazz e salões de baile viram cenários onde a moda se afirma como identidade. Cada look era uma performance de resistência, orgulho e sofisticação — uma forma de dizer, em alto, o que o mundo tentava calar. Desse legado vibrante, nascem os códigos visuais do dandismo negro, cujos elementos inconfundíveis traduzem mais do que estilo:
Alfaiataria sob medida - O guarda-roupa de um dândi é construído sobre a precisão e o caimento impecável de ternos feitos à mão a calças perfeitamente ajustadas.
Cores e padrões ousados - O dândi negro não teme ousar, tudo entra em cena com naturalidade — estampas florais, listras e xadrezes. A paleta de cores foge dos tons sóbrios associados ao formalismo tradicional, preferindo matizes vibrantes que chamem atenção.
Acessórios com intenção - Cada acessório tem um propósito. Seja um lenço de bolso ou um chapéu fedora, tudo é escolhido com intenção, adicionando camadas de personalidade e refinamento ao visual.
Fusão cultural - O dandismo negro contemporâneo vai além das tradições europeias. Ele incorpora influências globais como tecidos africanos, a leveza caribenha e a irreverência do street style americano, criando uma estética ao mesmo tempo universal e profundamente enraizada em identidades diversas.
"E as mulheres?"
A entrada das mulheres nesse universo foi, inicialmente, ousada e marcante. No fim do século XIX, nomes como Sarah Bernhardt desafiaram as normas da época ao adotar trajes masculinos em público. Mais tarde, no século XX, Coco Chanel transformou a alfaiataria em elemento-chave do guarda-roupa feminino, reconfigurando a ideia de elegância. Com o tempo, o terno deixou de ser apenas masculino, simbolizando liberdade, inteligência e elegância — especialmente para as mulheres negras, sendo um gesto de visibilidade e afirmação.
Atualmente, quando falamos em alfaiataria, falamos de uma história cheia de camadas, feitas de imposições, rupturas e ressignificações. Mais do que vestir o corpo, a alfaiataria veste ideias. E, quando olhamos para ela com os olhos certos, vemos muito mais do que a moda: vemos movimento. No Met Gala 2025, a alfaiataria se tornou uma verdadeira obra de arte, onde cada detalhe foi pensado para expressar algo profundo. Alguns looks, com sua elegância única, homenagearam figuras que marcaram a história, enquanto outros, meticulosamente confeccionados, traduziram a identidade pessoal de quem os vestia. Cada visual, com sua precisão e beleza, redefiniu o conceito de estilo como uma poderosa forma de expressão.
LEWIS HAMILTON, WALES BONNER.
Búzios, pérolas e diamantes de cor de granada adornavam o look, compondo uma narrativa de poder, espiritualidade e herança africana. Em especial, as conchas de cauri possuem um simbolismo ancestral: utilizada por séculos em diversas culturas africanas como moeda, amuleto e ornamento — representando prosperidade, proteção e conexão com os antepassados. A escolha da cor marfim também foi pensada com intenção, pois é associada ao status e à nobreza. Hamilton usou a alfaiataria como forma de lembrar suas origens e vestir história. Belíssimo!

UGBAD ABDI, MICHAEL KORS.
Em homenagem a André Leon Talley — "o dândi dos dândis", segundo a editora-chefe da revista Vogue, Anna Wintour — Ugbad Abdi refletiu a paixão de Talley pela alfaiataria impecável com um terno de flanela risca de giz com cristais e traduziu seu gosto por entradas grandiosas com uma capa de brocado metálico. O traje se completa com um chapéu fedora, trazendo uma aura de sofisticação atemporal. Uma referência poderosa a um dos nomes mais marcantes da moda, em um visual que mistura o moderno e o clássico de forma impressionante.
BRIAN TYREE, ORANGE CULTURE.
Em tributo à elegância imponente de André Leon Talley, Brian Tyree usou um conjunto na cor bordô, composto por um manto de brocado, luvas, uma gravata e botas de couro, trazendo ousadia e originalidade na medida certa, à altura do ícone que homenageava.

TYLA, JACQUEMUS.
Tyla prestou homenagem à grandeza de André Leon Talley com um vestido de listras brancas e azuis. A produção foi complementada por uma capa longa e estruturada, que evocava o drama e a presença de sua figura memorável.
COLMAN DOMINGO, VALENTINO.
Mais uma bela homenagem a André Leon Talley: uma poderosa manta plissada em azul-cobalto, com uma gola bordada em pedrarias e lantejoulas — remetendo à elegância do ícone do dandismo — enquanto o terno xadrez janela e bolinhas (imagem na próxima montagem), reforça a sofisticação. Uma flor de lapela, uma gravata de poá e joias acrescentaram um toque de ousadia.

JANELLE MONÁE, THOM BROWNE.
Janelle Monáe uniu a elegância dos anos 30 ao surrealismo refinado. O destaque vai para o sobretudo com detalhes em trompe l'oeil — uma gravata, uma lapela e uma pasta bordadas em seda — usado sobre um tailleur longo de linhas impecáveis. No rosto, um monóculo-relógio que revolucionou o conceito dos acessórios da noite, transformando o tempo em estilo. Uma fusão única de sofisticação clássica com ousadia futurista.

ZENDAYA, LOUIS VUITTON.
Com um blazer estruturado de cintura alta, uma calça de corte reto e um chapéu de abas largas, Zendaya alcançou um equilíbrio preciso entre atitude e sofisticação, homenageando o glamour ousado de Bianca Jagger nos anos 70.
IMAAN HAMMAM, MAGDA BUTRYM.
Com uma silhueta clássica de cintura marcada, uma calça ampla, um adorno de cabeça preto — composto por flores e longas penas — e uma bengala preta como toque final, Imaan Hammam evocou a essência de Bianca Jagger e transcendeu a elegância icônica dos anos 70.

JENNIE, CHANEL.
Jennie resgatou a essência da Chanel com look inspirado na coleção de inverno de 1987 — um tuxedo gown preto de cetim, uma camélia branca no busto, pérolas em camadas, botões cabochon e uma sobressaia com fenda, revelando uma calça de alfaiataria. Um tributo à elegância atemporal de Coco Chanel, que revolucionou o vestuário feminino ao introduzir peças masculinas com liberdade e refinamento, como mencionado anteriormente. Très chic!
MONICA BARBARO, DIOR.
Com um conjunto de seda marfim, Monica Barbaro vestiu o icônico blazer Bar, acompanhado por uma saia de tule preto, remetendo ao New Look criado por Christian Dior em 1947 — um símbolo de feminilidade restaurada no pós-guerra. O broche Monete de diamantes da Bulgari acrescentou um toque de brilho discreto, reafirmando a força contida na tradição refinada. Encantadora!

TEYANA TAYLOR, MARC JACOBS.
Com styling assinado por Ruth E. Carter — figurinista premiada por seu trabalho inovador e culturalmente profundo — Teyana Taylor uniu força e narrativa. O traje apresentava riscas de giz, um colete de veludo na cor borgonha, uma calça larga, rosas de cetim, cristais, penas e uma capa dramática, exibindo a inscrição "Rose in Harlem", referência à sua canção e ao bairro que simboliza resistência e cultura negra. Uma aparição marcante, carregada de história e identidade.

JODIE TURNER-SMITH, BURBERRY.
Inspirada em um retrato de Selika Lazevski — uma amazona negra que marcou presença na Belle Époque parisiense — a peça recria a silhueta vitoriana com couro texturizado e uma cartola a combinar, evocando força e sofisticação. Um tributo visual à ancestralidade e ao poder de reinscrever a história por meio da moda.
JEREMY O. HARRIS, BALMAIN.
Jeremy O. Harris reviveu a elegância dos dândis do século XIX e a riqueza cultural de New Orleans com um conjunto de lapelas largas, gola alta e uma calça de alfaiataria branca, evocando o estilo icônico de Beau Brummell — o pioneiro da alfaiataria masculina moderna. A silhueta escultural, realçada por um lenço de peito e pela postura imponente, traduziu uma fusão entre tradição e modernidade, celebrando o poder da estética clássica com atitude.

KHABY LAME, HUGO BOSS.
Com um terno risca de giz de três peças, Khaby Lame reinventa a elegância com um toque de originalidade. O colete se destaca pelas aplicações de mostradores de relógios vintage — um detalhe inusitado e poético, como se o tempo também fosse um acessório de estilo. A camisa branca e a gravata tradicional mantêm a sobriedade, enquanto os sapatos wingtip preto e branco evocam o refinamento do tailoring clássico. Um visual extremamente criativo!
LUPITA NYONG'O, CHANEL.
Lupita Nyong'o chamou a atenção ao usar um terno na cor azul-bebê. O conjunto combina um blazer de lã estruturado, uma calça de corte preciso e uma blusa de cetim, tudo em perfeita harmonia cromática. A leve capa de chiffon adiciona fluidez à composição, enquanto o chapéu canotier reforça elegância com um toque de nostalgia. No entanto, o destaque está nos elementos simbólicos: o cabelo esculpido com pentes dourados em forma de punho e as sobrancelhas cravejadas de cristais fazem referência à exuberância de Little Richard — ícone pioneiro do rock and roll, conhecido por sua performance explosiva, estilo exuberante e coragem em desafiar normas.

GIGI HADID, MIU MIU.
Em homenagem à lendária Josephine Baker — primeira mulher negra a estrelar um filme em Hollywood — e a Zelda Wynn Valdes — pioneira da alta-costura negra — Gigi Hadid une glamour e memória com um vestido dourado de decote halter, bordado com cristais e miçangas multicoloridas.
JASMINE TOOKES, RUTH E. CARTER.
O esplendor do Harlem dos anos 30 foi incorporado em um look inspirado em Cab Calloway — ícone da era do jazz e do Harlem Renaissance — e no estilo do ator Eddie Murphy em "Harlem Nights". O dandismo negro é celebrado com sofisticação em um conjunto off-white: um blazer com cintura marcada, uma linda capa, uma calça de alfaiataria, um chapéu de aba larga, uma bengala e joias da Maison Spoiled completam uma composição com charme vintage.

LAURA HARRIER, GAP STUDIO.
Zac Posen já vestiu muitos nomes para eventos de gala, mas esta foi a primeira vez que criou um look com calças para uma mulher, marcando um novo capítulo em sua trajetória. A proposta ousada reúne um colete estruturado em jeans cru, mangas bufantes em cetim e pantalonas de seda duquesa com caimento generoso — um diálogo entre o streetwear elevado e a alta-costura. A combinação de volumes clássicos e texturas contrastantes revela uma elegância moderna, reafirmando que a alfaiataria feminina segue em plena reinvenção.
RIHANNA, MARC JACOBS.
Ao revelar sua terceira gravidez, Rihanna alinhou história e presença de forma magnética com uma jaqueta cropped de lã preta, um corset estruturado e uma saia lápis com risca de giz, adicionando um toque clássico ao look. Para completar o visual retrô, foram acrescentados um chapéu fedora oversized — criado em colaboração com Stephen Jones — e uma gravata borboleta de cetim com bolinhas vermelhas.
COCO JONES, MANISH MALHOTRA.
Coco Jones transmitiu uma sofisticação delicada e moderna com um blazer de decote profundo que se transforma em uma capa dramática, em tom creme, enriquecida por bordados florais prateados e pérolas aplicadas à mão. A calça, no mesmo tom, alonga a silhueta, enquanto a longa trança que desce pelas costas adiciona um toque de força e elegância.

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